31 julho 2017

ataque em discoteca na Alemanha

Os factos: na noite de sábado, um curdo iraquiano que veio viver para a Alemanha em criança, há 26 anos, teve uma discussão feia com empregados da discoteca do seu cunhado, meteu-se no carro e voltou pouco depois com uma M16 de fabrico americano capaz de disparar até 800 vezes por minuto. Matou o porteiro da discoteca, e feriu gravemente três outras pessoas. A seguir, a polícia matou-o. Não se sabe aonde foi buscar aquela arma de guerra - suspeita-se que tenha sido na darknet.

A notícia que li esta manhã no site do Diário de Notícias foi escrita numa fase inicial da investigação da polícia, pelo que mencionava apenas o que se sabia nessa altura. Isto: um homem entrou numa discoteca armado, e começou a disparar sobre as pessoas. Matou uma pessoa e feriu gravemente três outras. A polícia não conhecia ainda todas as circunstâncias do crime, mas afastou a hipótese de ser um atentado fundamentalista. O homem tinha 34 anos e era de origem iraquiana.

É certo que no momento em que a notícia foi publicada a polícia já tinha afastado a hipótese de ser um atentado fundamentalista. Mas um iraquiano aos tiros na Alemanha é uma óptima notícia para vender jornais (aliás, outros sites informativos - ou "informativos", como o Correio da Manhã - tiveram também o cuidado de lembrar na mesma notícia que em Hamburgo houve um ataque terrorista com uma faca). Os comentários dos leitores não se fizeram esperar. Alguns exemplos, no Diário de Notícias:


David Mendonça Salvador leu a notícia que relatava os factos conhecidos até ao momento, e achou que lhe estavam a esconder alguma coisa, porque uma notícia que não confirma as nossas certezas só pode ser manipulação e mentira:  "A censura a que estamos sujeitos, a higienização dos factos que, irremediavelmente, nos sonega a verdade das coisas torna-nos iguais a qualquer regime faccínora. Na verdade, no que toca ao direito à verdade, a única coisa que nos separa dos fanáticos islamitas é o lado em que estamos nos actos..."

Os dois leitores seguintes optaram pela ironia amarga para se queixarem da ditadura do politicamente correcto:



Daniel Carr:"Ah! Se era de origem iraquiana, não era terrorista de certeza.

A única vantagem que vejo na actuação das Autoridades Alemãs em relação às nossas, é que o assassino morre; já não cometerá mais crimes, reinserção total."
Rui Aires: "Claro que não era terrorismo. Os iranianos lá são pessoas para terrorismo. Mas que xenófobos racistas. Trata-se certamente de um jovem apenas a precisar de integração multicultural. Ele que procure pela Dona Merkel. Ela ajuda-o." (Enganou-se um bocado na identificação do culpado alemão. Em 1991, quando este iraquiano veio para a Alemanha, o chanceler era Helmut Kohl.)

Por sua vez, Manuel Mariante aflige-se com as questões da natalidade na Europa: "Os invasores, perdão, os migrantes islâmicos não vem para se adaptar ao nosso modo de vida, mas sim para nos subjugar a longo prazo. Vejam a desmesurada natalidade deles!"
Talvez Manuel Mariante ficasse mais descansado se soubesse que as "invasoras islâmicas", mal conquistam um bom nível de escolaridade e desafogo financeiro, passam a ter tão poucos filhos como as alemãs. A solução é relativamente simples: integração. Infelizmente, o leitor Rui Aires não concorda. Provavelmente tem uma solução mais fácil: desconfiar de tudo e de todos, expulsar todos os estrangeiros, fechar a Europa por trás de um muro mais intransponível que o de Berlim. 

Por sorte o leitor Augusto Ribeiro sabe explicar uma componente importante do problema: "Andam a criar cobras e depois queixam-se se estas mordem..."
Estará com certeza a falar dos comentadores anteriores que, com a coragem inabalável dos que desafiam o politicamente correcto, espalham um discurso de ódio que envenena a coexistência.

Vejamos: árabe ou muçulmano não é sinónimo de terrorista. Nem sequer de terrorista potencial. Do mesmo modo que "homem português" não é sinónimo de violência doméstica e perigo de vida para a sua companheira. Se sabemos ver a diferença quando se trata dos nossos, porque simplificamos tanto quando se trata de outros?


O fosso não é entre nós e os árabes ou muçulmanos, ou entre nacionais e estrangeiros, ou entre europeus e não europeus. O fosso é entre a gente de bem e a gente de mal. A esmagadora maioria dos árabes/muçulmanos que vivem na Alemanha são gente de bem. 

É isso que os comentadores desta notícia têm muita dificuldade em entender.


Talvez compreendessem melhor se vissem esta cena que se passou a seguir ao ataque com faca em Hamburgo. Vários homens impedem o atacante, ainda armado, de fugir:




Os homens vivem na Alemanha e são, respectivamente: afegão, tunisino, egípcio e turco.
 

Gente de bem.



2 comentários:

jj.amarante disse...

Olá, esse seu Rui Aires confunde iranianos e iraquianos? Reparo agora que a diferença é apenas de um "n" para um "q" mas mesmo assim andaram-se a matar numa guerra que durou uma porção de anos.

Helena Araújo disse...

Mesmo que houvesse muitas mais letras de diferença: os "outros" são tudo farinha do mesmo saco...