28 agosto 2017

apontamentos de San Francisco

Passei por uma rapariga que tinha uma t-shirt onde se lia:

SORRY I'M LATE
I WAS SAVING THE WORLD

(onde é que se compra? esta t-shirt nasceu para ser minha!)

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Estava a fotografar o nevoeiro ao fundo de uma das ruas que sai da Market quando vi, pelo canto do olho, um ciclista que tinha um fato-macaco muito justinho da cor da pele. Quando chegou mais perto de mim dei-me conta de que não tinha fato-macaco nenhum. A única peça de vestuário que trazia, se assim lhe podemos chamar, era um preservativo preto enfiado onde imaginam (não era o nariz). Ainda consegui fotografá-lo de costas a pedalar descontraidamente pela Market Street em direcção ao Embarcadero. Os polícias ao meu lado nem pestanejaram. Já não se fazem polícias como antigamente?! No meu tempo, andar nu na rua chamava-se "felony" (nem sei que crime é esse, em português) e dava cadeia.

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O tempo em San Francisco continua igual a si mesmo, eu é que já me tinha esquecido. Para o campismo, trouxe algumas peças que guardo no saco da roupa de fazer ski. Mas não vim preparada para o verão de San Francisco. Sempre que olho para os vestidos leves e de cores garridas a ocupar metade da minha mala pergunto-me onde é que tinha a cabeça quando os escolhi.

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O MOMA está maravilhoso. Passei uma tarde lá, e tenho de voltar um dia inteiro. Ou dois.

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Na sala com quadros do Anselm Kiefer havia uma visita guiada. Fez-me impressão a superficialidade na apresentação do motivo "Margarethe" e "Sulamith".
Mas era preciso uma tarde inteira para explicar o poema de Celan a que os quadros aludem:

Leite negro da madrugada que bebemos à tardinha

nós bebemos ao meio-dia e de manhã nós bebemos à noite
nós bebemos e bebemos
(...)
O teu cabelo de oiro, Margarethe
O teu cabelo de cinza, Sulamith.

Lição de humildade: calhou de conhecer alguns trabalhos de Anselm Kiefer e o poema de Celan, e de me dar conta do que aquelas pessoas não estavam a ver. Mas por quantos milhares de quadros já passei sem fazer a mínima ideia do que me estava a passar ao lado?

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Haight-Ashbury (onde estou a morar por estes dias): museu a céu aberto, lojas de museu, o flower power traduzido em kitsch, grupos de pessoas que arrastam uma triste existência pelas ruas, com as marcas de décadas de uso de drogas. Pelo meio, o pessoal com o dinheiro q.b. para viver nesta zona, as lojas organic e dely.

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A livraria de Haight-Ashbury: horas e horas de vagar. Junto a alguns dos livros há folhinhas escritas à mão, com a avaliação pessoal de funcionários da loja.
Estive lá no sábado em que se previa uma manifestação de neo-nazis em San Francisco. O tema mais em evidência era o racismo. Ao contrário do que vejo nas livrarias alemãs, não encontrei um único livro de memórias de sobreviventes do Holocausto. A cada país o seu passado e a sua responsabilidade para mudar o futuro. 

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Hoje à tarde vou comprar roupa quente. Estou farta de passar frio no famoso verão de San Francisco. Sou eu e o Mark Twain.
(Afinal parece que o Mark Twain não foi o autor da frase "o inverno mais frio que passei foi um verão em San Francisco". E eu a pensar que aquela mania de fazer circular as frases à boleia de nomes sonantes era uma invenção da internet...)


2 comentários:

jj.amarante disse...

Diz na wikipédia que nos EUA classificam as infracções à lei em "graves" e "menores" (felonies e misdemeanors). As felonies dão de 1 ano de prisão à pena máxima. Em Português parece-me não existir esta distinção explícita embora se refira um crime, um crime grave ou um crime que dá prisão em contraponto a infracções menores.

Helena Araújo disse...

Obrigada! Afinal era algo tão simples. :)