10 agosto 2017

debates necessários

Não sei como é que o realizador - e meu amigo - Ricardo Espírito Santo faz, mas em poucos anos arranjou maneira de estar no centro de dois debates importantes sobre a ética na escolha das imagens a transmitir. E das duas vezes não deixou dúvidas sobre os valores que defende.

O primeiro foi o caso da morte do Féher. O Ricardo percebeu imediatamente que o jogador estava a morrer, e no mesmo instante tomou a decisão de não fazer imagens do seu rosto. Nunca será demais louvar esta atitude, por si própria e também por constituir um acto de resistência ao imperativo do negócio por meio da devassa e da criação de imagens que alimentam a mais sórdida curiosidade.

O segundo aconteceu por estes dias, também na transmissão de um jogo de futebol, com um plano que pretendia partir de um espectador e alargar para um geral, e infelizmente começou nos seios de uma adepta, abriu de modo a incluir o seu rosto e continuou para o restante público. O Ricardo pediu desculpa aos espectadores e à adepta, dizendo que foi totalmente involuntário, "um plano q envergonha valores fundamentais" e que "este plano não devia ter sido emitido, ponto final". Pediu também pessoalmente desculpa à adepta, que lhe revelou que o seu mural de facebook foi encerrado por ter sido alvo de comentários extremamente agressivos e sexistas, "dezenas de insultos, as coisas mais escabrosas q possam imaginar, coisas verdadeiramente horríveis q esta senhora nunca deveria ter vivido", "obscenidades relacionadas com o corpo". E conclui: "Quem se insurgiu com o meu pedido de desculpas, quem acha q isto se resume a dúzia e meia de 'virgens ofendidas', perceberá agora por que razão este plano nunca deveria ter existido?"

Descontando a parte extremamente desagradável do debate - os insultos ao realizador e à equipa por ter passado o plano, a crítica ao realizador por ter pedido desculpa, os insultos à adepta, os insultos a quem criticava e a quem apoiava -, foi muito importante ter-se falado tanto deste tema. E o Ricardo Espírito Santo soube conduzi-lo com a clareza de quem não tem dúvidas sobre os valores que defende. Infelizmente, a pressão de uma lógica de produzir espectáculos do tipo "quanto mais indecoroso, melhor" e a desculpabilização geral, de que também tivemos inúmeros exemplos neste debate, farão com que cada vez menos pessoas lhe sigam o exemplo.

Sinto-me grata ao Ricardo também por essa teimosia de não abdicar de certos valores quando à sua volta tantos encontram mil desculpas para escolher seguir por caminhos mais fáceis e economicamente compensadores.


1 comentário:

Sérgio Mak disse...

É um dos grandes problemas dos dias de hoje, há uma escassa percentagem de pessoas que, de acordo com o seu carácter, avalia bem situações e age em conformidade com a sua postura, face à larga maioria que julga rápido, sem se preocupar em saber mais nada para além do nível básico e gratuito do 'apedrejamento virtual' que meios como as redes sociais proporcionam...