09 novembro 2017

o fim da dicotomia


Ontem, o Tribunal Constitucional alemão decidiu sobre a criação de uma terceira categoria relativa ao sexo no registo civil. Até agora só havia "masculino" e "feminino". Segundo o Tribunal Constitucional, deve ser criada uma designação positiva, algo como "inter" ou "diverso".

O processo começou com uma pessoa de 25 anos, que escolheu para si o nome Vanja (o "j" pronuncia-se "i") porque é usado tanto por homens como por mulheres. A análise dos seus cromossomas não permite uma classificação nem como homem nem como mulher. 

Traduzo de um artigo do Spiegel de 2014, quando Vanja foi ao registo civil da sua cidade pedir para mudar de "feminino" para "inter/diverso", dando origem ao processo que foi de instância em instância até culminar na decisão de ontem.

Vanja N. é intersexual, ou seja, não é possível decidir, a partir da análise dos seus órgãos sexuais ou das suas hormonas, se se trata de um homem ou de uma mulher. Estima-se que na Alemanha haja 80.000 pessoas nesta situação. Vanja está a lutar por uma alteração no seu registo de nascimento: em vez de "feminino", deve ler-se "inter/diverso". O caso está a ser estudado por um Tribunal.

Vanja: Não sou homem, não sou mulher, sou inter. Quando nasci, parecia uma rapariga. Hoje tenho barba - ou seja, a masculinidade também é um dos meus traços biológicos. Estou farto/a de ter de escolher entre dois sexos quando preencho formulários, pratico um desporto ou vou à casa de banho pública. De cada vez que isso me acontece, é como se me dissessem: "tu não existes".


Comentário de Dirk Kurbjuweit a propósito desta decisão história do Tribunal Constitucional:

Às vezes acontece algo realmente importante sem nos darmos conta disso. Ontem, o Tribunal Constitucional Federal decidiu atribuir direitos próprios ao terceiro sexo. Para a Alemanha, trata-se do início oficial do fim da dicotomia clássica homem/mulher, que vigorou durante centenas de milhares de anos. Também outros países estão a trabalhar em novas leis do género. Teremos de nos habituar a isso, o que não tem mal nenhum.
O mundo sempre foi mais complexo do que as regras que se lhe aplicam. Devido à sua própria natureza, as regras também são simplificações. O progresso implica a adaptação das regras à crescente complexidade da vida. Por sua vez, a crescente complexidade vem das novas liberdades de pensamento e de acção. O Tribunal Constitucional Federal merece a nossa gratidão por este veredicto.


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Ao escrever este texto tive alguma dificuldade em decidir como escrever certas palavras referentes a Vanja: ele/ela, dele/dela, está farto/farta.
Prevejo desafios muito interessantes para o pessoal das gramáticas, e sinto já muita curiosidade para saber que soluções vão encontrar. 


2 comentários:

jj.amarante disse...

Em inglês e julgo que em alemão têm um género gramatical neutro. Em português e noutras línguas usamos o género gramatical para coisas sem sexo definido como globo, cadeira, pessoa, amor. Não seria mais simples designar o género dessa pessoa como "neutro"? "inter/diverso" parece-me um bocado desajeitado.

Helena Araújo disse...

Acho que o melhor seria perguntar àquelas pessoas como querem ser tratadas.
Não gosto muito do neutro, porque definiria esse género em função dos outros, ou seja, nem um nem o outro.