01 fevereiro 2018

lava mais branco






Nos primeiros anos pós-guerra, na Alemanha, chamava-se "Persilschein" (talvez se pudesse traduzir como: "certificado Omo") aos documentos que os alemães suspeitos de serem nazis forjavam, para tentarem provar que essa suspeita não tinha fundamento. Ouvi muitas histórias que ridicularizavam os nazis anti-semitas que de repente iam de chapéu na mão pedir a um vizinho que assinasse um papel a contar que o nazi era muito boa pessoa e muito amigo dos judeus.  

O governo polaco vai mais longe: proíbe as pessoas de falar em colaboracionismo com as forças de ocupação nazis. Desta é que as empresas de Persil e Omo não se lembraram: fazer uma lei para impor a brancura.
Não há branco mais branco que o definido nos termos da lei. E, já que escolheram esta maneira de lavar a roupa suja, talvez fosse boa ideia acabar também com os cursos de História. Ou pelo menos, tirar
do currículo o séc.XX polaco. Uma vez que o actual governo polaco já decidiu qual é a verdade histórica, não é preciso perder mais tempo e mais dinheiro com isso.
Infelizmente, e como de costume, esta minha ideia não é original. O governo, previdente, já há tempos tratou de fechar o Museu da Segunda Guerra Mundial em Gdańsk, porque não gostou da forma como a exposição tratava a questão do - alegado!, apresso-me a acrescentar, porque não quero ir presa - colaboracionismo com os nazis. Ora: quem fecha um museu, fecha uma universidade - a minha proposta não chega a ser realmente original, como não são originais - abramos os livros de História, folheemos oito décadas para trás - as práticas do actual governo da Polónia.

O projecto de lei, que já passou a câmara baixa do parlamento polaco e me lembra imenso o que na Turquia se faz para impedir que se fale no genocídio arménio, diz o seguinte:

"Qualquer pessoa que, à revelia dos factos, atribui publicamente à nação polaca ou ao Estado polaco a responsabilidade ou a co-responsabilidade por crimes cometidos pelo III Reich, está sujeita a multa ou prisão até três anos. Isto também se aplica a crimes contra a humanidade e a paz, bem como crimes de guerra."  

(E por causa desta lei vou ficar sem saber porque é que, depois da derrota dos alemães, tantos dos judeus polacos sobreviventes dos campos foram mortos quando tentavam recuperar os seus haveres e voltar às suas casas. Mas talvez seja melhor eu não falar sobre isto. A lei também se aplica a estrangeiros.) (A propósito: gostava de saber se o filme "1945", de Ferenc Török, passará alguma vez na Polónia. Foca um aspecto ainda muito silenciado do Holocausto: o anti-semitismo, a cobiça alheia, o oportunismo e a conivência dos povos. O filme conta uma história passada pouco depois do fim da guerra, numa aldeia húngara, quando corre a notícia da chegada iminente de dois judeus que ninguém conhece. A simples presença dos dois homens na aldeia basta para sacudir as consciências e as relações entre os seus habitantes. A agitação das pessoas da aldeia contrasta com a figura dos dois judeus que passam em silêncio pelas ruas - das imagens mais inesquecíveis que vi na Berlinale de 2017.)




1 comentário:

Patife disse...

Brilhante. O Patife aplaude. ;)